Alienação

Por Raquel Gillio Nogueira (São Paulo, SP)

SEGUNDO COLOCADO no 1º Concurso Mulherices de Textos Inéditos

Sim, muito se fala sobre a importância de tolerar e respeitar aquilo que nos é estranho ou não nos representa. Respeitar às mais diversas crenças, não ridicularizar o pensamento do outro, etc.. Indo eu, porém, a um templo específico, e notando a nítida presença do capitalismo envolvendo questões espirituais, questionei-me sobre os limites desse respeito.Televisores de última geração, instrumentos musicais modernos, um local enorme e ostentoso, câmeras profissionais que registravam ao vivo o momento suposto de elevação do homem. Pregadores bem-vestidos, uma formalidade característica.

Enquanto isso, após escutar insistentes tossidas de alguém atrás de mim, viro para ver aquela pessoa, como que preocupada. Era um rapazinho de rua. Uns 10, 11 anos, devia ter. Tinha na mão um livro intitulado "Bíblia da Graça de Deus" e acompanhava os dizeres da pregadora.Neste momento o discurso evocava os problemas dos que estavam ali presentes. Dizia a moça que Deus nos tinha feito promessas e não haveria de falhar conosco. Acrescentou que devíamos orar e entrar em contato com Ele para nos curarmos dos problemas financeiros, "pois o que Deus quer de nós é que sejamos empresários bem-sucedidos e felizes.”Perguntei-me na hora se essa prezada moça, que devia ter vinte e poucos anos, nunca reservou dez minutos de seu tempo para analisar a constituição de seu mundo. Não sabe ela que existem muitos empresários bem-sucedidos (sim, eles não estavam ali), e exatamente por isso existem os desfavorecidos? Para que um enriqueça, o outro necessariamente tem que empobrecer, essa é a lei da nossa selva de concreto!

Passados uns vinte minutos, moças bem-vestidas se aproximam. Ah sim, obtivemos a palavra de Deus, agora devemos retribuí-lo, é claro! Afinal, no paraíso a moeda deve ser de muito valor! Passam maquininhas de crédito e débito... Sua dívida com Deus acabou! Você será recompensado com muita riqueza e prosperidade. Aleluia! É uma pena que tantas pessoas que não tenham o que comer nem onde dormir não tenham ido a este culto, dado os trapos com que se vestem ou sua própria dignidade à santa igreja de Deus. Quem sabe o todo poderoso Deus capitalista que foi lá citado (que não é o mesmo que eu acho que possa existir) não teria um pouco de piedade e lhes dê alguma recompensa?Aquele rapazinho, excluído por sua condição, o que teria a oferecer? Vejo que pouco depois do intervalo para recolher "doações", ele se retira. Talvez tenha ficado constrangido com o porte daquele lugar e daquelas pessoas e tenha pensado que não fazia parte daquilo (mais uma vez!)Pobre menino. Há de descobrir que a matéria do universo, da qual nossa vida se nutre, é a mesma em todos os homens. E que não há riqueza ou pobreza que torne um ser diferente do outro.

Aquelas pessoas medíocres que oram a Deus para que lhes dê dinheiro ou coisas similares, pobres delas. Padecerão como todos, mas infelizmente não terão tido a oportunidade de conhecer a verdadeira essência da vida.