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sexta-feira, junho 24, 2011

Saco

Por Stella Benevides
Amiguinhas do Mulherices! Hoje a tia Stella está muito feliz. Sim, porque praticamente eu não vejo mais problemas no mundo ao meu redor. Tudo está resolvido, como que por encanto.

Tudo bem que eu achei meio chato o governo daquela senhora gorduchinha e de cabelo armado ter acolhido o assassino italiano como um fraterno “cumpanhêro” e ter feito o povo brasileiro passar vergonha no mundo, só pra variar.

Deixa pra lá, não importa!

Também fiquei estarrecida com o caso dos livros didáticos, que aparentemente pretendem abolir a gramática e a matemática da vida dos estudantes, talvez para que sobre mais tempo para que eles aprendam o que realmente importa hoje em dia para o MEC: que legal mesmo é ser gay, ainda que analfabeto.

Mas deixa isso pra lá também, não tem importância!

Confesso também que fico um pouquinho aborrecida ao notar que, como ninguém poderia prever, as obras para a Copa e para as Olimpíadas podem ficar na história como a maior roubalheira jamais vista por aqui. E olha que em termos de roubalheira nós somos sempre medalhistas!

Ah, mas que importância isso tem, né?

Também acho meio estranho que enquanto os bandidos assaltam e matam como nunca e a saúde pública está a droga de sempre, o governo arrecada cada vez mais impostos e ministros enriquecem da noite para o dia – e em resposta a tudo isso, vejo a juventude mobilizada por coisas realmente importantes, como o direito de fumar maconha, por exemplo.

Mas nada disso importa! O que importa mesmo é que os veneráveis políticos brasileiros, em especial os heróicos vereadores aqui da minha Terra da Garoa, conseguiram, num ato de extrema coragem, extinguir de uma vez e para sempre aquela que é, sem sombra de dúvida, a grande vilã da humanidade: a sacolinha plástica!

Fiquei realmente emocionada ao saber que agora, graças aos nossos destemidos representantes, poderei ir ao supermercado e comprar arroz, iogurte, refrigerante pet e todas as outras coisas em embalagens plásticas, mas não correrei o risco de destruir o planeta! Sim, pois o problema não é o plástico. O problema é a sacolinha, essa perversa arma de destruição em massa.

E eu que achava que utilizar sacolinhas pra colocar o lixo na rua era uma forma de reciclagem! Que burra que eu era! Agora eu sei que o certo é embrulhar o lixo naqueles sacos pretos bem grossos. Não faz mal se eles também demoram uma eternidade pra se desfazer no meio-ambiente. Porque o problema, como me ensinaram os meus sábios representantes na Câmara dos Vereadores, é ela: a sacolinha!

Agora, quando a Sandra Bridi – aquela repórter que sempre anuncia no Fantástico que o mundo vai acabar – fizer uma reportagem mostrando que as tartaruguinhas marinhas estão se engasgando com uma sacolinha plástica com a logomarca do supermercado aqui da minha esquina, eu não vou mais me sentir culpada! Vai ser culpa da minha vizinha, aquela antiecológica, que vai insistir em usá-las!

Tudo graças aos nossos valentes políticos, audaciosos como sempre, que copiaram mais uma dessas leis-marmita, que já vêm prontinhas para o cumprimento fiel das agendas mundiais. Isso! Igual a anti-fumo e outras tantas.

Mas bacana mesmo foi o prefeito, que perguntado sobre o que achava do assunto, foi enfático e cheio de atitude:

- Tá provado que prejudica o meio ambiente, tá certo. Tem que proibir mesmo!

Uau! Mas que análise profunda!

Então tá. Combinado. Prejudica o meio ambiente: proíbe! Tudo. Qualquer coisa. Faz porcaria no planeta, proíbe! Boa, prefeito.

Eu acho que devem ser proibidos os pneus. Sim! Você tem idéia do tempo que um pneu leva para se desfazer no meio ambiente? Não? Nem eu, mas tenho certeza de que é mais que uma sacolinha.

Lei anti-pneu, pronto!
Mas não é só isso.

Carros, ônibus e caminhões têm várias partes de plástico! Que horror! E as tintas que colorem suas latarias? Alguém sabe o mal que a fabricação de tintas causa ao meio ambiente? Não? Nem eu, mas sei que faz. Proíbe! Aliás, também tem a poluição causada pelos motores, não tem? Prejudica o meio ambiente, né prefeito?

Pronto, decidido: voltamos às carroças!
Não, não! Carroça feita de madeira? Derrubar árvores? Nem pensar, meu prefeito não deixa!

Vamos a pé.
Vamos a pé, mas descalços, porque sola de sapato deve ficar séculos emporcalhando o meio ambiente, pior que sacolinha. Mas vamos durante o dia, porque luz elétrica já era: nem pensar em usinas pra produzir eletricidade. Lanternas também não teremos mais. Você sabe o que as pilhas provocam, não sabe? Meu prefeito sabe e vai fazer uma lei anti-pilha, tenho certeza.

Vamos, vamos lá, gente, todos juntos.
Pra onde?
Ué, pras montanhas, pro mato! Viveremos lá, comendo capim, saudando o Deus Sol e a Deusa Lua. Sem celular, sem latinhas de cerveja, sem escova de dente. Sem chapinha, sem depilação. Pelados e felizes.

(Ok, prefeito: o senhor não precisa ficar pelado, tá?)

Passaremos as noites de lua cheia em volta da fogueira. Ó, que lindo! Mas, pensando bem, melhor não ter fogueira. Fumaça polui, né? Então. Já desinventamos a roda, vamos esquecer também como se faz fogo. Logo vamos entrar nas cavernas, subir nas árvores. Ficaremos peludos e começaremos a nos comunicar por meia dúzia de grunhidos. E nossos polegares, aos poucos, deixarão de ser opositores.

Pronto.
Fim.

A natureza provavelmente vai tentar de novo.
Dessa vez, talvez com as formigas. Ou as abelhas.

Ei, Darwin!
Por essa você não esperava, né?

sexta-feira, abril 08, 2011

Cu

Por Stella Benevides

Houve um tempo – e para quem tem minha idade parece bem pouco tempo – em que era proibido ter opinião. E isso acontecia aqui. É, aqui mesmo, nesse mesmo Brasil. Acontecia também, e ao mesmo tempo, em todos os países vizinhos. Mas, pra não complicar muito, vamos ficar só por aqui, na mãe gentil, pátria amada, Brasil.

Funcionava assim: havia o governo e ninguém podia ser contra. Quem era contra e cometia o absurdo de dizer isso em público, corria o risco de ser preso e levar muita porrada. Teve gente até, que de tanta porrada que levou, desintegrou, sumiu e nunca mais voltou pra casa.

E quem era contra o governo, mesmo que fosse contra bem caladinho, escondido dentro de casa, não estava livre de ser considerado um inimigo do Brasil. É, porque se a pessoa tivesse em casa, por exemplo, determinados livros que fossem considerados “subversivos”, e se algum x-9 denunciasse, os homens do governo podiam invadir a casa do infeliz e levá-lo pra interrogatório e pra porrada. O governo era tão bravo que não permitia que as pessoas sequer pensassem contra ele!

E música então? Nossa! Naquele tempo havia uns compositores que tinham a cara-de-pau de fazer músicas falando mal do governo! E uns, mais malandros ainda, que disfarçavam falando através de metáforas. Aí, quando as pessoas do governo percebiam, censuravam, proibiam, recolhiam os discos, não deixavam ninguém ouvir. E, se precisassem, também recolhiam o caboclo autor da música e sumiam com ele por uns tempos.

E políticos de oposição que tinham a coragem de criticar o governo? Ih, coitados! Esses, quando tinham sorte, apenas perdiam os mandatos. Eram cassados. Outros eram caçados mesmo. Alguns também sumiram para sempre.

Criaram até um slogan: Brasil, ame-o ou deixe-o!

É, porque era assim que a banda tocava: você tinha que concordar, era obrigatório. E ai de quem não aceitasse!

Então. Ainda bem que esse tempo passou. Hoje é tudo diferente. Que bacana. Hoje todo mundo pode pensar o que quiser. E tem toda liberdade pra expressar o que pensa. Democracia, né? Óh, que bacana! Como somos felizes. Viva, viva!

Mas esses dias aconteceu uma coisa pitoresca. Um grupo de teatro foi apresentar uma peça no Piauí. E um ator, de quem eu nunca tinha ouvido falar, escreveu uma gracinha na tal da internet: lembrando uma música muito antiga do Juca Chaves, disse, em outras palavras, que o Piauí é o cu do mundo.

Nossa! Foi um escarcéu! Alguns piauienses ficaram possessos e começaram a protestar. Logo, outros piauienses muito bravos aderiram à indignação e começaram a xingar o tal ator. Não demorou nada pra um político espertalhão perceber que o movimento era uma boa chance pra se promover e propôs que o tal grupo de teatro fosse proibido de se apresentar no Piauí!

Óia! Mas esse negócio de proibir quem fala mal não tinha acabado? Pois é, também estranhei.

Eu nunca fui ao Piauí, mas estou certa de que o povo de lá tem todos os motivos do mundo pra se orgulhar do estado que, afinal, é praticamente a locomotiva do Brasil, como provam todos os dados disponibilizados pelo IBGE: saúde pública e educação, por exemplo, primam pela excelência! Também tenho certeza de que os piauienses não têm nada mais pelo que protestar, porque seus honestíssimos e competentes políticos jamais dão uma bola fora, sempre trabalhando incansavelmente pelo bem comum. Né?

Pois é. Mas achei estranha essa gritaria ufanista. Proibir? Como assim?? Não seria muito mais sensato simplesmente – e democraticamente – boicotar a tal da peça? Simples: era só ninguém ir, pronto!

Nem sei como acabou o caso. Nem sei se a peça aconteceu ou não. Mas achei essa história muito esquisitinha. Tudo por causa de uma brincadeira idiota. Provavelmente vão lançar em breve o slogan “Piauí, ame-o ou deixe-o!”. E aí o Juca Chaves e o tal ator fanfarrão estarão exilados e jamais poderão pisar em terras piauienses. Coitados. Devem estar arrasados.

Mas caso pior foi todo o bafafá sobre as declarações do deputado-milico, naquele programa de TV onde uns humoristas de segunda categoria acham que fazem jornalismo. O curioso é que ele não falou nada de novo, nada que já não ande falando por aí há séculos. Curiosa é a reação das pessoas de miolo mole. Gente que não nota que está reagindo exatamente da maneira que quem montou aquele circo esperava que reagissem! Gente que se comporta como gado.

Também não posso acreditar que o deputado caiu numa armadilha e que, coitadinho, acabou massacrado pela tal da “opinião pública”. Ele é um pilantrão, sabia o que iria acontecer e está morrendo de rir com a promoção que está tendo.

Nem vou entrar no mérito da questão. Vocês já sabem o que eu penso sobre isso. Faz mas de um ano, escrevi “Vespeiro” aqui no Mulherices. Vai lá e lê, se você quiser.

O que me deixa estarrecida é a legião de gente por aí pedindo punição para o sujeito. Exigindo sua cassação. Gritando “fora fulano”. Pedindo cadeia.

Heim? Heim?

Calma aí! Eu já vi esse filme!

Quem agia assim era a ditadura militar. Pensou diferente? Prende, cassa, expurga, some com o cara! Cala a boca dele, não deixa ele falar. Se possível, não deixa ele pensar!

Onde é que nós estamos?

Em que tempo estamos vivendo?

Acho muito curioso que justamente aqueles que passaram tanto tempo se colocando no papel de “vítimas”, agora estejam se tornando agressores. Não querem mais conquistar direitos: querem vingança!

“Gay”, palavra que originalmente era sinônimo de alegria e que remetia a uma idéia de transgressão e rebeldia, agora se tornou outra coisa. Viraram um povo chato, ranheta, ranzinza, uns raivosinhos sem nenhuma graça, mais parecendo uns fundamentalistas que querem fazer os outros engolirem à força a idéia de que eles são uma espécie de super-humanos ou de super-cidadãos. Sempre prontos a te esfregarem os “direitos” deles na sua cara e a falarem sobre uma tal “lei”.

Lei, aliás, que nem existe.

Imagina o que vai acontecer nesse país se ela um dia existir?

Claro que os donos do circo e dos holofotes é que comandam o espetáculo, enquanto uma imensa manada de bobos apenas faz o que deles se espera, mugindo feito gado.

Querem ser aceitos à força? Querem ser amados pela via legal? Vocês realmente acham que isso pode dar certo? Debaixo desse arco-íris vamos acabar conduzidos para um tempo de trevas de fazer inveja às piores ditaduras.

Para os patrulheirinhos de plantão, um aviso da tia Stella.

Pensem dez vezes antes de saírem por aí colando rótulos nas testas das pessoas e antes de xingarem os outros a torto e a direito de “racista”, “homofóbico” ou sei lá mais o quê. Porque enquanto tem gente muito poderosa fazendo vocês de massa de manobra, eu vou te dizer de um crime que já existe: é o crime de injúria. E a hora em que gente séria se sentir ofendida e começar a processar vocês, de onde é que vocês vão tirar grana pra pagar indenizações?

O aviso é pra vocês pensarem bem em que tipo de coisa, em que tipo de “movimento” estão se metendo.

E isso vale pra você, se você for um piauiense rabugento, mal humorado e orgulhoso ou se for um militante-ativista-raivosinho do movimento GLTBWXYZ² e, tanto em um caso quanto em outro, resolveu um belo dia que deveria usar o cu como bandeira.

(*) A figura no alto da postagem é de uma formação rochosa no Parque das Sete Cidades, no Piauí. Dona Stella Benevides disse que nada ilustraria melhor o texto... 

sexta-feira, janeiro 14, 2011

Encalhada

Por Stella Benevides

Amiguinhas do Mulherices!

Ano novo, vida nova! Que maravilha! Pena que São Paulo é a mesma. Como é o mesmo o seu inimigo mortal, São Pedro. E como é o mesmo o prefeitinho paspalhão, mais uma vez, igualzinho ao ano passado, tentando explicar os motivos pelos quais a cidade continua alagando.

Vejam vocês que fui até o supermercado, que fica logo ali, a poucos quarteirões de casa. Enquanto estava lá, caiu um toró dos infernos e o que era pra ser uma saidinha rápida, pra umas comprinhas básicas, acabou se tornando uma aventura aquática.

Eu até vi que a rua estava enchendo de água, mas, como estava de guarda-chuva – e também, como sou um pouco teimosa – resolvi tentar ir pra casa. Mas a água que estava nos meus tornozelos, em segundos chegou aos meus joelhos. E, antes que lhe molhasse a bunda, esta pacata senhora paulistana não teve outra escapatória a não ser escalar um carro estacionado e se sentar na capota. Agora estou aqui, debaixo do guarda-chuva, fumando, alegremente vendo passar boiando os sacos de lixo e escrevendo pra vocês num providencial bloquinho de papel que eu sempre levo na bolsa.

E ouvindo as gracinhas de uns idiotas no botequim do outro lado da rua:

- Aê, tia! Encalhou, né?

Claro que eles riem mais ainda quando eu lhes mostro o dedo médio em riste. Mas até que eu gostei das babaquices deles: me deram argumento pra falar de um dos assuntos com que as mulherzinhas mais me apoquentam desde que começaram a achar que eu entendo de tudo, só porque um dia aceitei escrever no tal do “blog”:

- Ai, Stellinha! Tô encalhada! O que eu faço?

Ô, que tédio.

Minha filha: antes de mais nada, você precisa ter certeza de que está mesmo em situação de encalhamento ou se é só fogo no rabo mesmo. Explico: quer mesmo um bofe pra chamar de seu só quer ter alguém ao lado pra parecer mais “respeitável” pra família e, principalmente, para as amigas? É, porque mulher tem disso: compram sapato, bolsa e roupa pra mostrar pras amigas. E homens às vezes também entram na sua seleção de aquisições.

Enquanto eu fico aqui, esperando que a água baixe ou que lindos e fortes bombeiros venham me resgatar de barco, eu posso rapidamente dizer a você que, uma vez que seu desejo de ter alguém de verdade em sua vida seja real e sincero, mas isso nunca acontece, é preciso investigar o que pode haver de errado com você.

Partindo do pressuposto de que você não é um tribufu bixiguento e com bigode, talvez você seja chata. É, com certeza, você é chata. Muitas mulheres hoje em dia são chatas, rudes, autoritárias. Levam pra vida social os mesmos cacoetes de suas vidas profissionais. No trabalho é bastante provável que você tenha que mandar em muita gente, inclusive em muitos homens, mas na vida amorosa o papo é outro. Homem detesta mulher seca. Se é pra ter estupidez como padrão, eles vão preferir sair com os amigos. Você tem que lembrar de que é uma meiga, desprotegida e doce mulher.

- Ô, tia! Quer que jogue uma bóia?

- Não, infeliz! Joga a tua mãe!

Muita mulher também encalha porque quer encontrar o tipo perfeito, um todo no jeito pra apresentar pra família e pra agradar a mãe. Mas não é sua mãe que está precisando de homem, ô ridícula. Sua mãe, bem ou mal, tem ou pelo menos já teve um, senão você não estaria aqui me perturbando as idéias com esses seus draminhas.

Tem umas ainda – conheço várias – que passam um tempão cismando com um sujeitinho específico, que nunca dá bola pra elas, mas elas insistem e esperam. Se é seu caso, entenda que esse sujeito provavelmente não quer nada com você ou vai ver é uma bichinha enrustida. Se é muito perfeitinho, a chance de ser viado é enorme. E você está careca de saber disso, não está?

Então: trate de dar chances aos outros. Pode ser aquele seu vizinho meio esquisito ou aquele sujeito que te olha com cara de tarado, todo dia, no metrô. Vai saber se um deles não é seu príncipe.

E pare de ser implicante. Se o mancebo se veste mal, usa um cabelo medonho ou tem um gosto horrível pra música, desperte a arquiteta que há em você: pegue e reforme! Se você for escolher um apartamento, não vai achar nenhum que já venha pintado, mobiliado e decorado do jeito que você gosta, né? Então, com homem às vezes também é assim. Eles não vêm prontos. E vamos combinar que você também não está com essa bola toda, né?

- Êh, tia! Qué que nóis leva uma cervejinha aí pra senhora?

- Quero! E usa essa cabeça de aeroporto como bandeja, ô pereba!

Sei que as mulheres andam “se achando” demais. Um dia desses, fui dar trela pra uma vizinha que eu mal conheço. E ela me fez conhecer todos os defeitos do marido dela. Ignorante, grosso, rabugento, indolente, dorminhoco, mentiroso, vagabundo e mais uns trinta adjetivos bacanas. Então, eu olhei bem pra ela e falei:

- É, ele é um traste. Vai ver foi por isso que ele não arrumou coisa melhor. Né?

Bom, ela nunca mais falou comigo. Mas acho que entendeu o recado.

- Ih, tia! Olha lá o helicóptero do Datena filmando a senhora!

Ah, não! Isso não! Assim já é demais! Dar audiência pra aquele gordo palhaço, não! Eu vou desencalhar daqui é já! Vou nadando.

Se este texto for publicado no Mulherices é porque eu não morri.

*  Stella Benevides, diretamente de uma enchente paulistana, especial para o Mulherices.

sábado, novembro 27, 2010

Besta

Por Stella Benevides

Amiguinhas e amiguinhos do Mulherices. Não sei se vocês sabem, mas a Tia Stella já viveu um pouco mais do que a maioria de vocês. E chega um ponto na vida de uma pessoa – e isso vocês ainda não sabem – em que a gente é capaz de olhar para trás e avaliar com isenção as decisões que tomou no passado, assim, como se estivesse vendo um filme. A gente já se sente longe e desapegada o bastante do passado para isso.

Eu já fiz um monte de coisas nessa vida. Já entrei e saí de histórias, de trabalhos, ocupações, relações. Tantas que precisaria de um livro muito grosso pra contar. Tantas fases diferentes que, quando lembro, parece que estou lembrando a vida de várias pessoas. Comigo foi sempre assim: de repente, tudo muda. Quando vou ver, já estou em algo que jamais imaginei estar. Como agora, aqui, escrevendo pro tal do “blog”, sem nem saber direito que diacho é isso.

Mas uma coisa boa eu sempre consegui: só fazer o que eu quis e pelo tempo que quis. Só me manter dentro dos capítulos do livro da minha vida enquanto houvesse justificativa. Mas não pensem que foi assim por “sabedoria”, não. Foi muito mais por instinto, por temperamento. Ou por causa do meu gênio ruim mesmo. Ou pura sorte. O que eu sei é que posso até sentir saudade de coisas, épocas, eventos, pessoas. Mas frustrações eu não carrego, não.

Ultimamente eu me peguei pensando muito numa história acontecida há uns 50 anos atrás, numa cidade industrial da Inglaterra.

Era uma vez um mocinho chamado Randolph, que era bem amigo de um outro garoto chamado John Winston. Os dois ficaram amigos de outros dois meninos, chamados James Paul e George Harold. Os quatro gostavam muito de música, eram super fãs do Elvis e resolveram montar uma banda. E foi aquela coisa bem “anos 60”, rock and roll em botequins esfumaçados, jaquetas de couro, muita farra e pouco profissionalismo.

Pelo menos no começo.

Logo, como acontece em qualquer coisa que se faça em grupo, as cabeças mais privilegiadas começaram a se destacar. E assim, John Winston e James Paul tornaram-se líderes naturais da banda e, acreditando naquilo que faziam, conduziram o sonho deles rumo a algo maior. George Harold, embora mais discreto, era um sujeito dedicado e talentoso.

Mas o garoto Randolph era meio bola-murcha. Não que não fosse bom no que fazia. Dizem até que era muito bom. Mas, sabem aquele tipo que não se dedica, que está sempre ausente, que não participa, não se envolve, chega sempre atrasado? Que está sempre na aba, esperando pra ver o que acontece? Que não está nem dentro e nem fora? Pois é. Dizem que ele era assim. Pelo menos a versão mais aceita da história conta que o problema do Randolph era falta de uma coisa fundamental em tudo que se faça em grupo na vida: comprometimento.

E foi assim que um dia, quando a bandinha de rock já tinha até arrumado um empresário e um produtor fodão, concluiu-se que com ele não daria pra continuar. Randolph foi convidado a se retirar.

No mesmo dia, foram bater na porta de outro baterista, um sujeito que talvez nem fosse tão bom, mas era reconhecidamente profissional. Esse cara já era conhecido pelo apelido de Ringo Starr e a partir daquele dia, formou ao lado de Paul, John e George a maior banda de rock de todos os tempos, vendeu mais de 1 bilhão de discos, foi protagonista de uma revolução cultural jamais vista, ficou planetariamente famoso e estupidamente milionário.

Enquanto isso, Randolph Pete Best entrava para a história como aquele que poderia ter sido e não foi, símbolo daqueles que não aproveitaram as oportunidades que a vida lhes deu. Deprimido, fodido e desempregado, três anos depois, enquanto os ex-colegas explodiam no mundo inteiro com o histórico disco “Help”, tentou se suicidar, fechando as janelas e abrindo o gás. Mas nem isso o desgramado conseguiu. Alguém chegou e o salvou.

Depois seguiu sua vida de anônimo, com empregos comuns e pouca grana no bolso. De vez em quando aparece em algum evento, lançou um livro, dá umas entrevistinhas. Hoje, que já é um senhor grisalho, bem distante do dia em que perdeu a chance de ser um Beatle, costuma dizer que é muito feliz e que não se arrepende de nada. Talvez até seja verdade. O tempo tem esse poder. Mas dá pra calcular o tamanho da frustração que esse sujeito deve ter arrastado por décadas de sua vida?

Se a historinha da besta do Pete Best tem algo a ensinar é que, enquanto se está dentro de alguma coisa, ou deve-se dar o melhor ou que se caia fora, com convicção e por conta própria. Não espere pelo cartão vermelho. Se é pra fazer, que se faça com tesão. Ficar meia-bomba, meio aqui e meio ali, fazendo corpo-mole, esperando pra ver o que acontece, não é e nunca vai ser atitude que se preze.

E isso vale pra quase tudo.

Vale pro seu emprego, pra sua faculdade, pro seu grupo de teatro, pra sua banda. Vale pra tudo que se faça junto com mais gente. Vale pro seu namoro. Vale pro seu casamento. Vale até pra Tia Stella no Mulherices. Se for pra estar que se esteja por inteiro. Quando a coisa não valer mais a pena, quando você deixar de acreditar, quando um treco te causar mais aporrinhação do que prazer, pegue suas tralhas e se mande. Mas não espere levar um pé na bunda pra ficar de mimimi depois, se arrependendo pelo que não fez.

Serviu pra você?

Ótimo.

Então agora escolha quem você quer ser: Ringo ou Pete, besta.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Sexo

Por Stella Benevides
Eu não compro revistas femininas. Aliás, odeio. Quando muito, folheio alguma na sala de espera do dentista. Ou passo os olhos pelas capas, na fila do supermercado. È fácil notar uma coisa em comum nas capas: em todas, sem exceção – repare! – há uma palavra, quase sempre em destaque: SEXO. Sim, porque quem faz essas revistas – assim como quem produz um volume imenso de literatura vagabunda e a maior parte dos programas vespertinos retardados de TV – ganha muita grana tentando convencer as mulheres de uma coisa: que transformar-se em eficientes engrenagens de fazer sexo é a melhor – e talvez a única – forma de ser feliz e, em muitos casos, de conquistar e segurar um macho.

Oh, Deus!
E isso vem desde cedo!

Olha lá aquela dona que fala sobre sexo pra adolescentes naquele programa de sábado à noite. Ela fala de tudo e pra ela tudo é bacana. Pode por cima, por baixo, pela frente e por trás. Na cama, na cozinha e em cima da árvore. Ela fala quanto tempo deve durar, quantas vezes se deve gozar e quanto devem medir os bingolins dos meninos. Pode menina com menina, menino com menino e, se der vontade, todo mundo com todo mundo. Desde que – claro – se use camisinha (porque ela não termina uma frase sem pronunciar essa palavra).

A moça só se esquece de mencionar uma coisa. É uma coisa que eu sei e ela sabe. E que muita gente sabe também, mas tem vergonha de dizer, porque não pega bem. Ela se esquece de dizer que esse sexo todo livre, todo permissivo, todo século 21, não é nada fabuloso, emocionante ou extasiante. Não, não é. Essa “coisa” pela qual ela ganha uma grana pra comentar é uma MERDA.

- Como assim, Stellinha?
Calma que eu vou explicar.
Ou vou tentar.

Não acho que hoje, com essa liberdade e esse blábláblá todo, se faça MAIS sexo do que antigamente. Não mesmo. E tenho minhas razões pra achar, se é que me entendem. Acho que hoje se faz é muito sexo ruim, mecânico, protocolar, sem paixão. Muita mulher pagando de bem resolvida que não passam de umas frustradas carentes. Muito papo furado e muita vaidade. Muito teatro, muito personagem. Muita mulher exibida, muita bichinha narcisista, muito garotão bombado que enche o rabo de álcool pra conseguir achar alguma graça em algo, arrastar uma perdidinha pra cama e dar uma trepadinha mais ou menos – mas que ele dirá aos amigos que foi um espetáculo. Muita gente meia-bomba. E muita mulher sozinha.
Perdeu-se o mistério que envolvia a coisa toda.
A começar pelos meninos.

Bom, os homens sempre foram os desbravadores em tudo, né? Basta dar uma olhadela na historia da humanidade e constatar. E eu não concordo muito com o coro que afirma que foi a sociedade que impôs os papéis a homens e mulheres. Acho que antes da sociedade, foi a natureza. Lá nos primórdios os homens caçavam e as mulheres cuidavam da caverna. A sociedade veio MUITO depois disso. Agora os papéis todos se embaralharam e ninguém sabe quem é quem.

Garotinhos de 9 anos acham normalíssimo ver menininhas de 7 requebrando as bundinhas magrelas nos Rebolations e Boquinhas das Garrafas de festinhas familiares, num ato que elas entendem antes como exercício de “poder” e só depois como de “sensualidade”. Mas já vão treinando, desde pequenininhas, a arte de serem umas coisas facinhas.

Homens que viveram suas juventudes há apenas algumas décadas relatam que dificuldade era conseguir ver uma mísera mulher nua, mesmo que fosse numa revista! Hoje em dia, pivetes de 10 anos olham tudo na tal da internet e – assim que podem – saem por aí, com seus pintinhos a meia bomba, metidos em camisinhas frouxas, tratando a coisa como se fosse um vídeo game. E acham estranho – é, porque pela internet não tem cheiro, nem gosto, nem pêlos, nem suor, nem cansaço, nem dor nas costas. E como também não tem mistério, não tem a dificuldade, o imprevisto, a conquista, não demora nada pra que muitos deles concluam que – quem sabe – o vídeo game talvez seja um brinquedo mais estimulante.

Se a história toda sobre “igualdade”, que resultou nisso, é boa ou ruim eu não sei e nem é sobre isso que estou falando. Só estou falando que castraram-se os homens modernos de algo que lhes era imprescindível: o gosto pela conquista. E aí ficaram preguiçosos.

E as mulheres?
Ah, as mulheres ... Mulheres se arrumando para si mesmas e para outras mulheres, circulando pelos lugares, plenas e poderosas, com seus peitões de silicone e suas pós-graduações no exterior, se julgando interessantíssimas – mas que não interessam verdadeiramente a ninguém. E que terminam boa parte de suas noites sozinhas em casa, se entupindo de sorvete, reclamando do mundo e esperando por algo que nunca vai acontecer.

Mulheres falastronas que, com amigas, como fossem uns machos invertidos, contam vantagens de suas vidas amorosas. Só que, ao contrário deles, que sempre se gabaram de quantas presas abateram, adoram falar de quantos homenzinhos burros, feios ou de cantada ruim, desprezaram. Mas se esquecem de falar do medo da solidão, que vai aumentando a cada mês, a cada ano, a cada celulite, a cada ruga, a cada fio de cabelo branco.


- Ah, Stellinha! É que os homens de hoje em dia têm medo das mulheres independentes, sabe?
Ai, que puta besteira! Papo de consolar mulher encalhada!

Medo? Pode até ser que aconteça com um ou outro, mas, na maioria das vezes – acreditem – os homens não sentem “medo” das mulheres. Sentem outra coisa: sentem TÉDIO. Porque as mulheres, que há tempos atrás significavam para eles algo análogo ao que uma terra desconhecida significa a um desbravador, agora tornaram-se essas coisinhas fáceis desde novinhas, desfrutáveis, baratinhas e principalmente meio padronizadas pelas ditaduras de comportamento. Conheceu meia dúzia, conheceu todas.


Eu sei, eu sei: os homens, por razões parecidas, também ficaram desinteressantes. Mas aí é que está o X da questão: depois de uns bons anos de praia, rodando de mão em mão e de cama em cama, ao notar que nada há de tão excitante nessa “liberdade” toda, enquanto os homens se entediam, as mulheres se desesperam. Porque é a velha natureza – aquela, de muito antes de “a sociedade ter ditado papéis” – que grita. Mulher quer prole pra lamber, quer caverna pra cuidar. Né?

- Então como é que faz, Stellinha? Já cansei de tanta balada, tanta micareta, tanto peguete... Agora eu quero sossegar. Como faz?
Aaah, minha filha! E eu é que sei? Se eu soubesse a fórmula disso, engarrafaria e ficaria milionária. Vocês estudam tanto, dominam todas as tecnologias, inventam cada coisa. Criem uma máquina do tempo e vão perguntar isso pras suas ancestrais. Porque eu não sei de nada. Eu estou aqui só olhando, manejando a única máquina que domino, que é uma máquina de escrever, quieta aqui com meu uísque, meu cigarro e minhas memórias. Que são muitas e de outros tempos, graças a Deus.

A única coisa que sei dizer é que a tolice que atende por “sexo livre” é, para todos – mas MUITO mais para as mulheres – uma prisão.

Não era o que vocês queriam?
Bem feito.








domingo, julho 04, 2010

Cachorro

Por Stella Benevides
Não faz muito tempo, falei aqui sobre os carroceiros da cidade e seus cachorros, anjos de fidelidade que não abandonam seus companheiros por nada e que, por não terem consciência do que é “pobreza”, vivem tão ou mais felizes do que um cachorro de madame. Falei também que essa gente e esses cachorros são “invisíveis” pra maioria das pessoas.

Acho que vocês se lembram.
Se não lembram, entendem o que eu estou dizendo.

Pois é.

Acontece que eles são invisíveis. Mas experimente dar publicamente alguma atenção a eles pra ver se um monte de gente não vai te notar.

Eu dou atenção. Passo quase toda tarde ali, embaixo do viaduto onde eles se reúnem. Conheço todos pelo nome, tanto carroceiros quanto cachorros. Os cães, pego no colo, arranco carrapatos com a unha, dou comida na boca.

Pior são os que vivem sozinhos pela rua, nas praças e nos parques, que nem um carroceiro como protetor têm. São todos vítimas de abandono ou, na melhor das hipóteses, de negligência. Sim, porque cachorro não brota da terra, feito grama, né? Se ele está ali, a culpa é de alguém.

Também cuido de alguns assim. Às vezes levo no veterinário, já paguei tratamentos e castrações. Ninguém me pede. Ninguém me dá prêmio e nem me entrevista pra TV por isso. Faço porque eu quero e não faço questão que ninguém saiba. Aliás, até resisti um pouco a escrever sobre isso. Não quero posar de boazinha. Quem me conhece e quem me lê, sabe que “boazinha” é tudo o que, definitivamente, eu não sou.

Mas como eu disse, quando você dá atenção aos seres invisíveis, é como se um holofote mirasse bem na sua cabeça.
Tem gente que passa e olha rapidinho, meio de lado, com a cara torta e eu posso quase ouvir o pensamento dizendo: “Velha maluca, passando a mão nesse vira-lata, credo”. Tem gente que passa com um sorriso complacente, que eu nunca sei se é de aprovação ou de pena, nem se é pena do cachorro ou de mim, por também me achar meio maluca. Tem um ou outro que acha bonito e vem dizer que acha bonito. Tem até gente que eu já conheci fazendo a mesma coisa que eu: e desses eu quero ficar amiga na hora, sem saber quem é, o que faz e o que pensa sobre todas as outras coisas do mundo. Só isso já me basta pra querer amizade com alguém.

Mas tem também um ou outro filho-da-puta que fica indignado e se acha no direito de protestar. É. Tem. Gente que se acha o supra-sumo da cidadania, o topo da cadeia alimentar, que não quer nem saber de onde o problema vem, nem de pra onde o problema vai. Só querem não ver o problema. Gente que diz:

- A senhora fica dando comida pra esses cachorros, é por isso que eles não saem daqui!

Esses falam isso só uma vez. Pelo menos pra mim, só uma vez. Porque olham pra um dedo apontado pra cara deles e ouvem um sermão que inclui rápidas citações a personagens históricos bacanas, como Adolf Hitler e expressões como “higienismo”. Não tenho certeza se entendem a mensagem. Mas saem resmungando e nunca mais me enchem o saco.
Mas tem um tipo que é, de longe, o pior de todos.

- Por que em vez de perder tempo com esse vira-lata a senhora não ajuda uma criança?
O pior tipo é o que diz isso, se achando cheio de razão. Um verdadeiro clichê de hipocrisia! Porque quem diz isso, você pode ter certeza absoluta, não ajuda nem cachorro e muito menos criança!

E eu ouvi isso de duas velhas um dia desses, domingo, fim de tarde. Antes de olhar pra elas eu já as queria esganar. E quando eu notei que as duas carregavam Bíblias, precisei me segurar pra não voar nos pescoços enrugados delas. Deviam estar indo lá pro culto, pra falar de Jesus pra cá e Jesus pra lá. E desconhecem o sentido prático mínimo daquilo que dizem pregar.

Pra ficar claro: não tenho nada contra quem carrega Bíblia. Seja o velho ou o novo testamento. Carregando ou não um terço junto. Como não tenho nada contra quem carrega o Alcorão, a Torá ou o Livro dos Espíritos. Mas tenho tudo contra patifes abrigados sob a aura de “santificação” de todas as religiões, seitas e congêneres. E, em todas elas, há patifes. Ô, se há!

O negócio é o seguinte. Essa história de “ajudar o próximo”, seja lá quem for o próximo, antes de mais nada não pode ser regra, nem obrigação. Isso é uma coisa que vem de dentro, que a pessoa só tem que fazer se sentir vontade verdadeira. E que cada um faça aquilo pelo que o coração bate. E para o que tem aptidão! Tem gente que cuida de criança, tem gente que dedica tempo pra idosos nos asilos, não tem? Tem. Tem gente que socorre viciados em crack, tem gente que dá assistência a detentos, não tem? Tem. Tem gente que vai aos hospitais de crianças com câncer, brincar com elas e contar histórias, não tem? Tem. A Karina Lima faz isso. Não é o máximo? É, é!

Eu recolho gatos e cuido de cachorros de rua, não posso?

E tem uma coisa que eu acho muito curiosa hoje em dia. Fala-se muito em “ecologia”, né? O tempo todo, em toda parte, em todos os canais da tal da “mídia”. Qualquer amebinha com dois neurônios se diz ecologista! Muita gente preocupada com o mico leão dourado, com os pandas que vivem lá no cu do mundo. Muita gente querendo salvar o planeta, divulgando coisas imbecis como fazer xixi no banho pra não gastar água (!) e um monte de retardados levando a sério (!!). Gente que acredita nas abobrinhas sobre o tal do “aquecimento global”, ô inferno, que tédio!

Mas eu sei que tem muito ecologista de boutique hoje em dia que é incapaz de socorrer um cachorro ferido ou com fome. São os revolucionários de poltrona. Um bando de hipócritas.

Também não consigo entender o que vai na cabeça de uma pessoas que compra um cachorro! Eu até, com algum esforço, entendo quem vende. Bem ou mal a pessoa está trabalhando, ganhando seu sustento. E isso, justamente, só porque há quem compra! Mas um pai ou uma mãe, que compra um cachorro pro filho, pra começar – e só pra começar – não está ensinando nada que preste pra criança! Porque você pode comprar um videogame, uma bola, uma bicicleta. Mas não um amigo!

E nem me venha você com aquela ladainha de que nada adianta cuidar de meia dúzia de cachorrinhos, que isso é um problema de todas as cidades, que eu estou enxugando gelo, que quem deveria cuidar disso é o “governo” e blábláblá. Eu faço o que eu posso. Eu faço onde os meus olhos alcançam. Eu mudo alguma coisa, pelo menos, em volta de mim.

E você, que não faz nada?



sábado, junho 05, 2010

Padaria

Por Stella Benevides

Acho que todo mundo que segue o que eu escrevo, e que as meninas dizem que publicam num tal de “blog”, pensa que eu implico com tudo que é “moderno”. É, pensam. E pensam certo. Implico mesmo. Com quase tudo. Mas não é por chatice à toa. É que eu realmente acho que muito do que se faz, se pensa, se consome, se assiste, se ouve e se lê hoje em dia, antes de ser “moderno”, é apenas ruim.

É minha opinião. Somente isso.
Opinião de alguém que já viveu tempo bastante pra fazer certas comparações. Acho que vocês entendem.
Mas tem uma coisa bem moderna que eu gosto. E gosto muito: das padarias! É, essas padarias novas, enormes, de dois andares, que têm de tudo. Que são também lanchonete, empório, loja de bebidas, restaurante, revistaria, rotisserie, charutaria. Tudo junto, num lugar só, iluminado, limpinho, com funcionários muito educadinhos e profissionais.
Nem de longe lembram aquelas antigas, de um português que ficava atrás do balcão-caixa das 5 da matina até a hora de fechar, com a caneta bic atrás da orelha, em que a copa era uma imundice só e em que os pães doces ficavam rodeados de abelhas.

Padarias são dos poucos lugares onde uma pessoa pode ir sozinha, comer e beber, sem que isso pareça estranho. Sim, gente sozinha em bar e restaurante chama muito a atenção, você não sabia? Pois é, chama sim. Mas em padaria, não. Padaria sugere a informalidade de “estar passando” e entrar pra comer uma coisinha.

Alguns desses playgrounds ficam abertos 24 horas. Aqui perto de casa tem um – olha que máximo! – que tem até uma área pra fumantes! Ta certo que é uma área tão isolada que mais parece um aquário, pra proteger os chatinhos saudáveis da “fumaça assassina”. Mas tem mesinhas sob guarda-sóis, onde se pode pedir até um chopinho.

Mas eu gosto mesmo é de me sentar no balcão, pedir um café e umas besteiras e ficar ali, enrolando e observando. Observar é uma coisa que eu gosto de fazer.

Dia desses, estava lá, com meu capuccino e meus pensamentos. Chega um rapaz, camisa pólo, cabelo arrumadinho, óculos. Senta na banqueta ao lado. Bem diante da vitrine das pizzas, que colocam lá pra servir em pedaços. Chama o balconista.
- Tem pizza do que?
- Mussarela, calabreza, baiana, quatro queijos, berinjela, frango com catupiry, atum, escarola com bacon, palmito e bróquis
– desfilou o mocinho do balcão, com sotaque nordestino, enquanto ia apontando com o dedo, cada pizza.

- Mussareeeela, calabreeeeza ... ?
O engomadinho de óculos, aparentemente era meio surdo ou tinha deficiências de compreensão. O menino nordestino repetiu tudo de novo, pacientemente, apontando cada uma das 10 pizzas disponíveis.

- Ah, não tem margueritta?

Ô, sujeitinho chato! Pausa. Ele olha pra vitrine. Inspeciona cada pizza através do vidro, como se estivesse fazendo reconhecimento de suspeitos de um crime. O balconista batucando com os dedos sobre o balcão.

- Essa aqui é do que? – ele aponta com o dedo.
- Berinjela.
- E essa?
- É bróquis.

Ai, Jesus! Vai perguntar uma por uma, tudo de novo? Não sabe o que é “bróquis”?

- As pizzas estão fresquinhas? Faz muito tempo que saíram?

Ai! Vontade de te falar o que está "fresquinha"! Se esse cara promove esse interrogatório pra comprar uma merda de um pedaço de pizza, o que seria vender um carro pra ele?

- Tem alguma que está pra sair?
- Vai demorá uns minutinho.
Ó! Depois vocês falam que eu implico com o que é moderno! A padaria é ótima, mas olha os tipinhos!

- Qual saiu por último?
- Escarola com bacon.

O mauricinho faz cara de nojinho e nem tenta disfarçar.

- Não como bacon.
Ô, meu Deus! O que foi feito daquele tipo de homem que bebia cerveja em copo americano, com a barriga encostada no balcão e comia torresmo no palito?

- A massa está bem passada? Posso dar uma olhadinha por baixo?

Aaaai! Imagina o que seria um merdinha desses num puteiro? Interrogando as meninas? Inspecionando uma por uma? Quanto tempo faz que você tomou banho? Você depila a periquita? Tudo ou deixa um pouquinho? Posso dar uma olhadinha?

- A de palmito é boa, né? Tá com uma cara boa, né?

Ah, eu sabia! Desde o começo eu sabia que você se amarrava num palmito! Pede logo e para de encher o saco, sua bichinha.

- Vai querê? – o menino do balcão, já sem paciência.
- Não... Não sei...Você sabe me dizer se a farinha da massa contém glúten?

Padaria cheia. Atendentes se desdobrando no balcão. O menino nordestino, ali, encalhado naquele mala indeciso. E eu pensando que é até possível compreender alguns seriais killers.

- Não, esquece. Você me faz um sanduíche de queijo. Com queijo branco. Mas o queijo quente e o pão frio. Num pão francês, sem miolo. Mas num pão bem tostadinho. Pode ser?

Heim?! Por muitíssimo pouco, não me levantei pra encher a cara dele de tabefe. Depois de todo aquele nhém-nhém-nhém, desistiu da porra da pizza? E que tipo de sujeito pede “um pão bem tostadinho”?

- E pra bebê?
- Tem suco de que?

Aaaah, não! Ia começar tudo de novo! Não agüentei. Levantei dali, passei na seção de bebidas, comprei uma garrafa de conhaque. Paguei e fui me sentar no banco da praça, ali em frente.

Encontrei meu amigo Xula, que é catador de papel. Ficamos ali papeando, bebendo e fumando, um tempão.

- Ta com fome, Xula? Vai uma pizza?
- Opa!
- Você prefere palmito ou “bróquis”?
- Quarqué uma, Dona Stella! O que vié nóis traça!

Ah!
Obrigada, meu Deus!
Nem tudo está perdido!