Por Stella Benevides
Amiguinhas do Mulherices! Hoje a tia Stella está muito feliz. Sim, porque praticamente eu não vejo mais problemas no mundo ao meu redor. Tudo está resolvido, como que por encanto.
Amiguinhas do Mulherices! Hoje a tia Stella está muito feliz. Sim, porque praticamente eu não vejo mais problemas no mundo ao meu redor. Tudo está resolvido, como que por encanto.
Tudo bem que eu achei meio chato o governo daquela senhora gorduchinha e de cabelo armado ter acolhido o assassino italiano como um fraterno “cumpanhêro” e ter feito o povo brasileiro passar vergonha no mundo, só pra variar.
Deixa pra lá, não importa!
Também fiquei estarrecida com o caso dos livros didáticos, que aparentemente pretendem abolir a gramática e a matemática da vida dos estudantes, talvez para que sobre mais tempo para que eles aprendam o que realmente importa hoje em dia para o MEC: que legal mesmo é ser gay, ainda que analfabeto.
Mas deixa isso pra lá também, não tem importância!
Confesso também que fico um pouquinho aborrecida ao notar que, como ninguém poderia prever, as obras para a Copa e para as Olimpíadas podem ficar na história como a maior roubalheira jamais vista por aqui. E olha que em termos de roubalheira nós somos sempre medalhistas!
Ah, mas que importância isso tem, né?
Também acho meio estranho que enquanto os bandidos assaltam e matam como nunca e a saúde pública está a droga de sempre, o governo arrecada cada vez mais impostos e ministros enriquecem da noite para o dia – e em resposta a tudo isso, vejo a juventude mobilizada por coisas realmente importantes, como o direito de fumar maconha, por exemplo.
Mas nada disso importa! O que importa mesmo é que os veneráveis políticos brasileiros, em especial os heróicos vereadores aqui da minha Terra da Garoa, conseguiram, num ato de extrema coragem, extinguir de uma vez e para sempre aquela que é, sem sombra de dúvida, a grande vilã da humanidade: a sacolinha plástica!
Fiquei realmente emocionada ao saber que agora, graças aos nossos destemidos representantes, poderei ir ao supermercado e comprar arroz, iogurte, refrigerante pet e todas as outras coisas em embalagens plásticas, mas não correrei o risco de destruir o planeta! Sim, pois o problema não é o plástico. O problema é a sacolinha, essa perversa arma de destruição em massa.
E eu que achava que utilizar sacolinhas pra colocar o lixo na rua era uma forma de reciclagem! Que burra que eu era! Agora eu sei que o certo é embrulhar o lixo naqueles sacos pretos bem grossos. Não faz mal se eles também demoram uma eternidade pra se desfazer no meio-ambiente. Porque o problema, como me ensinaram os meus sábios representantes na Câmara dos Vereadores, é ela: a sacolinha!
Agora, quando a Sandra Bridi – aquela repórter que sempre anuncia no Fantástico que o mundo vai acabar – fizer uma reportagem mostrando que as tartaruguinhas marinhas estão se engasgando com uma sacolinha plástica com a logomarca do supermercado aqui da minha esquina, eu não vou mais me sentir culpada! Vai ser culpa da minha vizinha, aquela antiecológica, que vai insistir em usá-las!
Tudo graças aos nossos valentes políticos, audaciosos como sempre, que copiaram mais uma dessas leis-marmita, que já vêm prontinhas para o cumprimento fiel das agendas mundiais. Isso! Igual a anti-fumo e outras tantas.
Mas bacana mesmo foi o prefeito, que perguntado sobre o que achava do assunto, foi enfático e cheio de atitude:
- Tá provado que prejudica o meio ambiente, tá certo. Tem que proibir mesmo!
Uau! Mas que análise profunda!
Então tá. Combinado. Prejudica o meio ambiente: proíbe! Tudo. Qualquer coisa. Faz porcaria no planeta, proíbe! Boa, prefeito.
Eu acho que devem ser proibidos os pneus. Sim! Você tem idéia do tempo que um pneu leva para se desfazer no meio ambiente? Não? Nem eu, mas tenho certeza de que é mais que uma sacolinha.
Lei anti-pneu, pronto!
Mas não é só isso.
Carros, ônibus e caminhões têm várias partes de plástico! Que horror! E as tintas que colorem suas latarias? Alguém sabe o mal que a fabricação de tintas causa ao meio ambiente? Não? Nem eu, mas sei que faz. Proíbe! Aliás, também tem a poluição causada pelos motores, não tem? Prejudica o meio ambiente, né prefeito?
Pronto, decidido: voltamos às carroças!
Não, não! Carroça feita de madeira? Derrubar árvores? Nem pensar, meu prefeito não deixa!
Vamos a pé.
Vamos a pé, mas descalços, porque sola de sapato deve ficar séculos emporcalhando o meio ambiente, pior que sacolinha. Mas vamos durante o dia, porque luz elétrica já era: nem pensar em usinas pra produzir eletricidade. Lanternas também não teremos mais. Você sabe o que as pilhas provocam, não sabe? Meu prefeito sabe e vai fazer uma lei anti-pilha, tenho certeza.
Vamos, vamos lá, gente, todos juntos.
Pra onde?
Ué, pras montanhas, pro mato! Viveremos lá, comendo capim, saudando o Deus Sol e a Deusa Lua. Sem celular, sem latinhas de cerveja, sem escova de dente. Sem chapinha, sem depilação. Pelados e felizes.
Ué, pras montanhas, pro mato! Viveremos lá, comendo capim, saudando o Deus Sol e a Deusa Lua. Sem celular, sem latinhas de cerveja, sem escova de dente. Sem chapinha, sem depilação. Pelados e felizes.
(Ok, prefeito: o senhor não precisa ficar pelado, tá?)
Passaremos as noites de lua cheia em volta da fogueira. Ó, que lindo! Mas, pensando bem, melhor não ter fogueira. Fumaça polui, né? Então. Já desinventamos a roda, vamos esquecer também como se faz fogo. Logo vamos entrar nas cavernas, subir nas árvores. Ficaremos peludos e começaremos a nos comunicar por meia dúzia de grunhidos. E nossos polegares, aos poucos, deixarão de ser opositores.
Pronto.
Fim.
A natureza provavelmente vai tentar de novo.
Dessa vez, talvez com as formigas. Ou as abelhas.
Ei, Darwin!